sábado, setembro 23, 2006

A cadeira de madeira que sempre espera por ti...



Por entre folhas de papel soltas de um pequeno bloco, repleto de rabiscos quase indecifráveis, encontrei hoje estas palavras escritas por mim há cerca de um ano atrás.
Ao relê-las verifiquei que continuam tão actuais, que poderiam muito bem terem sido escritas no final de tarde do dia de hoje. Por isso resolvi registá-las aqui neste blog.



É Setembro!
A tarde acena despedindo-se.
O Verão também.
Está quase a hora da partida.
Mas entro mais uma vez dentro dessa tela pintada pelo anónimo pintor, criador deste éden que me envolve e me fascina.
E heis-me aqui novamente sentada na cadeira de madeira, junto aquela, vazia, cadeira que espera por ti que não vens.

É Setembro!
Hoje o Sol já não brilhou como outrora.
Como nas alegres tardes de Agosto, em que as crianças correm e brincam,
as bicicletas atropelam-se,
os pombos voam em busca de alimento,
os pássaros cantam,
os turistas passeiam,
os casais namoram, segredando juras de amor eterno, com mãos entrelaçadas.
E eu sento-me nesta esplanada, junto a esta cadeira de madeira que espera por ti que não vens.

É Setembro!
O céu veste-se de nuvens cinzentas.
A chuva em breve vai cair, pois as nuvens vão chorar.
O vento já sopra e avisa-me de que brevemente vai chover.
Diz-me ainda, que dentro em breve também eu vou ter de partir.
E quando o céu começar a derramar as primeiras lágrimas, eunão vou poder mais permanecer sentada junto à cadeira de madeira que espera por ti que não vens.

É Setembro!
Finalmente é Setembro!
É chegada a hora de fazer as malas.
É quase hora da partida e o comboio não espera.
Mas fica sempre a esperança do Verão voltar no próximo ano.
E eu poderei novamente entrar entrar dentro no mesmo quadro.
E sentar-me de novo nessa mesma esplanada, ao lado da cadeira de madeira que espera por ti que não vens.

É Setembro!
Setembro prenuncio de saudade!
Prenuncio de solidão!
Mas ainda é tempo de tomar a bebida amarga que tanto me satisfaz, sentada ao lado dessa cadeira de madeira que espera por ti que não vens.

É Setembro!
Os turistas já não aparecem.
Já quase todos regressaram ás suas terras, ás suas casas.
Os cavalos dão os seus últimos passeios, resistindo ainda graças à teimosia das crianças locais, as únicas que ainda passeiam por estas bandas.
Fazem-me companhia, neste final de tarde em que me entretenho também a brincar com um pacote de açucar, sentada junto a esta cadeira de madeira que espera por ti que não vens.

É Setembro!
Uma criança devora o último gelado, pintando a sua face de chocolate.
Outra, brinca numa mota mecânica, objecto disputado por muitas bulhas e brigas, mas já sem a habitual concorrência.
Por instantes, sentada em cima dela, voa, sente-se a dona do mundo, correndo à velocidade dos campeões.
E eu simplesmente invejo o seu vôo, sentada junto a essa cadeira de madeira que espera por ti que não vens.

É Setembro!
Neste instante, um arrepio percorre o meu corpo.
O frio chega e apresenta-se, anunciando que está a chegar a hora em que também tenho de partir.
Sei que tenho que abandonar esta velha esplanada, mas ainda não me apetece fazê-lo.
Ainda quero ficar mais um pouco com o meu pacote de açucar entre mãos,
com o sabor forte e amargo na boca,
deliciando-me com as brincadeiras das crianças resistentes a mais este final de tarde,
testemunhando as suas últimas corridas atrás dos pombos, que que se refugiam, aos poucos, no cimo das árvores.
As ruas do parque vão ficando vazias, tal como está vazia a cadeira de madeira que espera por ti que não vens.

É setembro!
A noite aproxima-se a passos largos, quase ladeada pelo Outono.
As últimas pessoas abandonam, uma a uma, a esplanada onde eu ainda brinco com o meu pacote de açucar, sentada mesmo ao lado da cadeira de madeira que espera por ti que não vens.
Mas não estou só, pois Setembro faz-me companhia.
E nós sentimo-nos tão bem!
Tão bem, que só me apetece agradecer ao pintor por me ter permitido poder comungar de tão divina obra, ser parte integrante desta harmoniosa criação.
E agradecer aos meus pais por ter nascido e renascido,
por ser filha desta cidade e por poder usufruir desta maravilhosa herança que me envolve.

É Setembro!
Obrigado por momentos como este, que me fazem transpirar e estermecer de felicidade!

Já cansado de ser torturado, o pequeno pacote de açucar rebenta-me nas mãos, alertando-me que chegou a altura de regressar à minha realidade.
Que a tarde acaba de se despedir da noite, que mesmo agora chegou.
Que está na hora de deixar esta mesa de esplanada, que serenamente repousa mais uma vez, hoje e sempre essa cadeira de madeira que espera por ti que não vens.

Amanhã, quando o dia regressar, talvez ainda volte a sentar-me de novo ao lado da cadeira de madeira, sempre vazia, que espera por ti que não vens.
Ou talvez não.
É Setembro!...